
O ator Cacá Carvalho em cena da montagem O homem com a flor na boca (Foto: Lenise Pinheiro / Divulgação)
Há pouco mais de um mês, revi o monólogo O Homem com a Flor na Boca, com texto do italiano Luigi Pirandello e interpretação de Cacá Carvalho. Era uma daquelas noites esquisitas, pós-temporal, em que o tempo se mantinha indeciso entre o calor e a umidade. Havia vivido um dia de suspiros compridos, prenúncio de uma famigerada crise pré-aniversário que se anunciava. E ali estavámos nós, Cacá e eu – ele, há duas décadas convivendo com o personagem criado por Pirandello; eu, depois de oito anos, novamente atenta àquele homem com tanta urgência de vida. Assistira a esse monólogo pela primeira vez em 2005, no Sesc Consolação, e me lembro de ter ficado bastante emocionada. Nem poderia imaginar as surpresas – e alguns sustos – que a existência reservara para mim nos anos seguintes e que me fariam compreender, aos bocadinhos e ainda mais profundamente, a urgência daquele homem com a flor na boca.
E naquela sexta-feira de fevereiro, Cacá entrou em cena com o frescor de quem prova o texto pela primeira vez. E eu experimentei a alegria de quem é fisgado por um espetáculo também pela primeira vez. Quantas coisas vivemos nesses oito anos, Cacá e eu. Poderíamos estar ali, com algum enfado, com alguma comiseração, assumindo burocraticamente nossos papéis de intérprete e espectadora. Mas alguma lição havíamos aprendido com o homem com a flor na boca: a beleza de estarmos inteiros no agora. Presentes, disponíveis. Só assim a epifania acontece. Só assim vale a pena. E eu de novo me senti tocada pelo texto de Pirandello, pela atuação do Cacá; é claro que foram outras as emoções sentidas, posto que nascidas de outras vivências. Já era madrugada, mais morna que úmida, e passagens do monólogo ainda reverberavam dentro de mim.
Talvez seja esse um bom exemplo do teatro no qual acredito e que me estimula, me provoca e me cativa: um teatro que não me subestima nem me deixa indiferente; um teatro que não desdenha de minha sensibilidade nem me exclui do jogo. A maior frustração para um espectador é sair, depois de uma peça, com a impressão de que tanto fez estar ali; e a maior irritação, ser ignorado solenemente por uma montagem pretensiosa ou burocrática.
Mais de uma vez saí frustrada ou irritada, mas as experiências positivas ou transcendentes aconteceram em número muitíssimo maior. Confesso: sou uma grande apaixonada pelas artes cênicas. O fazer teatral me inspira e me mantém conectada com minha própria humanidade. Por isso, partilharei aqui algumas de minhas reflexões ou impressões, contarei as ressonâncias que as peças deixarem em mim. Não me considero especialista ou crítica; mas sim uma espectadora bastante ativa e atenta. E, se um dia eu me esquecer dessa inquietação que me move, tentarei ver de novo o Cacá e seu homem com a flor na boca…