Teatro & Cinema: filme “Cru”, de Jimi Figueiredo

* Chico Sant’Anna, André Reis e Sérgio Sartório em cena do longa “Cru”, de Jimi Figueiredo.

Cru, do dramaturgo Alexandre Ribondi, é um texto de meias-palavras apenas na aparência; a cordialidade inicial dos personagens logo dá lugar a um comportamento hostil, moldado pela crueza de sentimentos e pela ausência de afetos. A violência está nos pequenos gestos, no olhar, nos pensamentos; latente, explode de modo inesperado e impreciso. Todos são punidos; afinal, a culpa se revela insuportável.

Levado aos palcos, o texto Cru ganhou uma montagem com alta voltagem de tensão. Numa cidade do interior de Goiás, o forasteiro Zé, com sua roupa engomada e pasta nas mãos, chega ao estabelecimento comandado pela travesti Frutinha, um misto de bar e açougue à beira de estrada, com cachaças baratas e pedaços de carne expostos. Está à espera de Cunha, um matador de aluguel. Quer encomendar um serviço. O pistoleiro, ao chegar, intimida o visitante com sua franqueza e seu sarcasmo. Os dois se estranham; Frutinha questiona as intenções de Zé. Pouco a pouco, certas revelações vêm à tona. O confronto se torna inevitável.

O espetáculo, que estreou em Brasília em 2009, chegou a São Paulo em fevereiro de 2013 e ficou em cartaz por um mês no Teatro Ivo 60. Produção da Cia. Plágio de Teatro, teve direção de Alexandre Ribondi e de Sérgio Sartório, que também interpretava Cunha. Completavam o elenco Chico Sant’Anna, como Zé, e Vinícius Ferreira no papel de Frutinha.

Depois de assistir à peça, o cineasta Jimi Figueiredo decidiu levá-la ao cinema. Contou com o próprio Alexandre Ribondi para a elaboração do roteiro e com o elenco original – Sérgio, Chico e o ator André Reis, que fez Frutinha na temporada brasiliense. Situações somente mencionadas no espetáculo aparecem no longa, e o personagem da mãe de Cunha, apenas evocado em certas passagens do texto teatral, ganha nome, rosto e voz: Maria, interpretada por Rosanna Viegas.

A dramaturgia de Ribondi tem sua força no crescente embate entre os dois homens, Zé e Cunha, assistido bem de perto por Frutinha. A atmosfera é quase claustrofóbica. As ações físicas são mínimas. Não há movimentos desnecessários. A violência, embora explícita e concreta, se dá justamente no desnudamento gradativo dos personagens, um diante do outro, na exibição de suas marcas, cicatrizes e culpas, de seus ódios ora difusos, ora muito bem direcionados. Os silêncios são tão importantes quanto as palavras. No palco, isso funciona muito bem. Porém, no longa Cru, a tensão do conflito central pareceu diluída por conta das imagens extras, que pouco acrescentam narrativamente. Provocam uma certa “sensação estética”, dão alguma ideia de solidão, estranhamento e aridez, mas suavizam a densidade do conflito central. Não achei que tenha havido um tratamento cinematográfico ao texto em si; mas, sim, uma releitura no cinema daquilo que acontecia no palco. Como se a peça tivesse sido filmada, de modo mais distendido, com a inclusão de imagens externas poéticas que pudessem contrastar com a agonia das cenas de interior.

Há passagens muito belas, como a da mulher que banha seu filho, e boas sacadas da direção de fotografia. Porém, ainda assim, me parecem cenas um tanto deslocadas; não basta incluir imagens bem construídas para transformar uma peça em filme. Além disso, existe um hibridismo de tempos na montagem – o marasmo do Brasil profundo em contraste com um confronto violento em ritmo crescente? ­– que não sei se foi intencional, mas deixa, em alguns momentos, o ritmo arrastado. E, embora Rosanna Viegas esteja bem como Maria, sua personagem pouco contribui para a dinâmica da narrativa; somente torna literal aquilo que era dito na peça, entre a memória e o rancor – de modo imperfeito, portanto, e por isso bem mais interessante.

De todo modo, o filme vale ser visto pela sua história, já que o roteiro preserva muito da dramaturgia original de Ribondi. Talvez a peça tenha se tornado um referencial tão forte para o cineasta que foi difícil esquecê-la para criar algo novo e fazer uso dos recursos de uma outra linguagem.

* Rosanna Viegas em cena no filme “Cru”: personagem apenas evocado na peça.

De 28/6 a 4/7, seg. a dom. 20h30 no Espaço Itaú de Cinema – Shopping Frei Caneca: R. Frei Caneca, 569, 3º piso, Consolação, tel. 3472-2365. Classificação: 16 anos. Ingressos: sex. a dom. R$25; seg., ter. e qui. R$20; qua. R$18.