Amigas para sempre

*Drica Moraes e Mariana Lima interpretam duas amigas de personalidades bem diferentes na peça dirigida por Enrique Diaz (crédito: Nil Canindé).

Estreia hoje A Primeira Vista, com texto do canadense Daniel MacIvor, direção de Enrique Diaz e interpretação das carismáticas e competentes Drica Moraes e Mariana Lima. Tive oportunidade de ver a peça, que fez temporada no Rio em 2012, quando passou rapidamente por São Paulo no ano passado, em três apresentações no Itaú Cultural. Agora o espetáculo fica em cartaz por quase dois meses no Sesc Pompeia. Diaz já havia montado In on It, outro texto do dramaturgo, e acabou de apresentar no Festival de Curitiba deste ano uma versão ainda em processo do monólogo Monstro, também escrito pelo canadense, no qual atua, além de dirigir (poderemos conferi-la de 18 a 20 de abril, no Itaú Cultural).

Achei A Primeira Vista uma peça deliciosa, afetiva e com ritmo, daquelas que lembram a tática de Sherazade para manter o sultão atento e ansioso pelo capítulo seguinte: vai entregando aos poucos certos detalhes ou novos ângulos da história, atiçando a curiosidade e a imaginação do público e segurando sua expectativa até o fim. Trata da amizade entre duas mulheres, que se conhecem casualmente numa loja de artigos para acampamento e iniciam uma inusitada amizade, temperada por cumplicidade, romance, blefes, crises, parcerias e maluquices. São quinze anos de encontros, separações e reencontros. Não há linearidade temporal nem um ponto de vista absoluto; a narrativa segue o fluxo da memória, com idas e vindas, e cada uma das personagens oferece sua visão peculiar sobre os eventos partilhados pelas duas. Cabe ao espectador preencher possíveis lacunas.

As interpretações de Drica e Mariana são um dos trunfos da peça. Há sintonia e jogo entre elas. Fazem mulheres com personalidades bastante diferentes, que se atraem e se repelem em igual medida, mas sempre com ternura. As duas atrizes trabalham bem as nuances de suas personagens – o que elas mostram exteriormente (à outra, ao público e a si mesmas) e o que tentam manter em segredo, mas acabam por revelar nas entrelinhas. Gosto de como o corpo (os gestos, os tiques, a postura, o jeito de andar) também conta muito sobre cada uma das garotas.

O  cenário é simples e eficiente. Uns poucos objetos são usados em cena – duas cadeiras, uma barraca de acampamento, um aparelho de som, a emblemática árvore de plástico (preste atenção nela!) e instrumentos musicais, como uma guitarra, um baixo e até um ukelele havaiano. Afinal, as duas amigas, em certo momento, montam uma banda. Luz e trilha contribuem para marcar a passagem (ainda que metafórica em alguns momentos) do tempo. E o diretor Enrique Diaz tira proveito tanto da agilidade do texto de MacIvor quanto do minimalismo proposto por ele sem aprisionar suas atrizes em marcações inúteis.

A Primeira Vista – sem crase mesmo, versão em português para o original A Beautiful View – emociona porque dá forma e voz aos afetos, com humor e sem pieguice.

Até 26/5, sex. e sáb. 21h, dom. 18h. Sesc Pompeia: R. Clélia, 93, Pompeia, tel. 3871-7700. Gênero: Drama. Duração: 80 min. Classificação: 14 anos. Ingressos: R$ 6 (trabalhador no comércio e de serviço matriculado) a R$ 24. Crédito: D/M/V. Débito: C/M/R/V. Onde comprar: na bilheteria (ter. a sáb. 9/21h, dom. e fer. 9/19h) e nas demais unidades do Sesc.

* Um dos projetos das duas amigas é montar uma banda, que faz até cover do Nirvana (crédito: Nil Canindé).