E se…?

*A física quântica é ingrediente importante na trama de "Universos", escrita pelo inglês Nick Payne e dirigida por Zé Henrique de Paula (Crédito: Ronaldo Gutierrez)

Gosto muito de Universos, com a Renata Calmon e o Thiago Ledier, dois ótimos atores do Núcleo Experimental. Não se trata de uma peça pretensiosa nem pseudointelectual, pelo contrário; é extremamente elegante e envolvente em sua simplicidade. Mistura romance e física quântica, mais especificamente a teoria das cordas e o conceito de multiverso (um conjunto de universos possíveis, ou seja, o universo que conhecemos não seria o único, apenas mais um entre infinitos). Acho o texto do Nick Payne engenhoso e a direção do Zé Henrique de Paula bastante precisa. Tem ritmo, tem jogo e tudo flui – já a vi duas vezes, uma nas últimas semanas de ensaio e outra depois da estreia. Poderia assistir de novo e não me cansaria, porque, como num caleidoscópio, oferece a possibilidade de reordenar seus pedacinhos (as cenas) de forma a chegar a outras combinações (ou sentidos).

Ainda pairam dúvidas sobre a teoria das cordas, mas me parece fascinante – e, em alguns momentos, também assustador – imaginar que possam existir universos paralelos habitados por alter egos meus, vivendo combinações de escolhas totalmente diferentes das minhas. Na peça, a cientista Melissa puxou papo com o apicultor Roger. Um casal teoricamente improvável. Ele poderia ter desconversado, cortado logo de cara. Ou, num movimento de defesa, mencionado a presença de uma namorada. Ou ainda, na sequência, ter causado uma péssima impressão na garota. Mas a peça do caleidoscópio que desencadeou a nova imagem no visor foi outra: Roger reagiu de modo simpático e receptivo à abordagem de Mel. Aliás, a primeira fala dela é ótima, bastante emblemática do que vem a seguir: “Você sabe por que é impossível lamber as pontas dos seus cotovelos? Elas detêm o segredo da imortalidade. Então, se você as lamber, é possível que você viva para sempre. Mas, se todo mundo fizer isso, se todos conseguissem de fato lamber as pontas dos seus cotovelos, então seria o caos. Porque não se pode seguir vivendo, e vivendo, e vivendo”.

*Thiago Ledier e Renata Calmon como Roger e Melissa em um dos universos possíveis de seu inusitado romance. (crédito: Ronaldo Gutierrez)

Surpresas & paixões

Quando saí da sessão de Universos, caminhando rumo ao metrô Marechal Deodoro, me lembrei da sequência de eventos que transformaram 2006 num ano cheio de novidades para mim. Naquele momento de minha vida, já sentia forte anseio por mudanças, mas ainda não sabia exatamente o que fazer nem como. No primeiro semestre, passei por uma cirurgia na tireóide para a retirada de nódulos e cistos – e, felizmente, a biópsia revelou um tumor benigno. Esse fato, no entanto, despertou em mim uma urgência de vida e um desejo premente de abandonar as amarras. Comecei a entender o que buscava.

O mais louco, porém, veio depois. Enquanto me recuperava da cirurgia, recebi a mensagem de um amigo canadense (por quem nutria uma suave e duradoura paixão platônica). Ele, que morava na Colômbia já havia três anos, se mudaria para a Tunísia em alguns meses; mas antes gostaria de viajar um pouco pelo Brasil. Exultei. Enviei uma resposta positiva, comecei a fazer planos. Mas ele sumiu. Nada de e-mails. Passadas algumas semanas, finalmente tive notícias dele. Dizia que ainda estava em Bogotá. Demorara muito para se decidir, as passagens ficaram caríssimas e tinha rolado um encontro com uma ex-namorada, que o deixara balançado. Vivia, então, um grande dilema: “E se ela for a mulher da minha vida?”

Pirei. Aquela paixonite antiga havia ficado latente por tanto tempo, quase esquecida, mas aquele “e se” desencadeou um turbilhão de emoções em mim. Resolvi me declarar, falar da tal paixonite, pedir uma chance, sei lá. Estava disposta a fazer qualquer loucura. Escrevi um e-mail que transpirava sentimento. Passou um mês, e outro, e nada. Enquanto isso, sobrevivi a surtos de ansiedade. Era tempo de organizar minhas férias. Dali a algumas semanas, viajaria para Croácia e Turquia, com rápidas paradas em Roma e Paris. Foquei no trabalho.

Faltavam quinze dias para o embarque quando o muso canadense me escreveu. “Já estou instalado em Túnis”, afirmou. Não, a ex-namorada realmente não era a mulher de sua vida. E ele confessava que também havia nutrido um encantamento silencioso por mim durante todos aqueles anos. Ah, e se eu quisesse visitá-lo em Túnis, seria mais que bem-vinda…

Corta. Voltamos a Universos e à teoria das cordas. Num dado momento da peça, Melissa diz a Roger: “Me escute, por favor.  As leis básicas da física não têm um passado e um presente.  O tempo é irrelevante no nível dos átomos e moléculas.  É simétrico. Nós temos todo o tempo, sempre tivemos. Você ainda terá o nosso tempo”. Em algum outro universo, provavelmente o alter-ego do muso canadense deve ter dito isso a meu outro eu – e nossa história talvez tenha acontecido com cenas e desfechos diferentes.

UNIVERSOS Até 25/4, ter. a qui. 21h. Teatro do Núcleo Experimental: R. Barra Funda, 637, Santa Cecília, tel. 3259-0898. Gênero: drama. Duração: 70 min. Classificação: 12 anos. Ingressos: R$ 20. Onde comprar: no teatro, uma hora antes.  Estacionamento: R$ 10.