Estrelas frias

Fui cheia de expectativas ver As Estrelas Cadentes do Meu Céu São Feitas de Bombas do Inimigo. Gosto do trabalho do diretor Nelson Baskerville, e a proposta da Cia. Provisório-Definitivo me pareceu intrigante e bastante pertinente: contar as histórias de crianças e jovens que mantiveram diários em tempos de guerra, várias guerras: as duas mundiais (1914-1918 e 1939-1945), a do Vietnã (1959-1975), a dos Bálcãs (1992-95) etc.

*Paula Arruda, Thaís Medeiros, Pedro Guilherme e Carlos Baldim em cena de "As Estrelas Cadentes..." (crédito: Ligia Jardim)

Tenho familiaridade com o assunto. Como parte de um projeto pessoal-profissional, ao longo de 2008 e esporadicamente nos anos seguintes, visitei vários países que haviam passado por guerra civil ou conflitos externos: Palestina, Israel, Sérvia, Bósnia, Kosovo, El Salvador, Colômbia, entre outros. Também estive em Auschwitz-Birkenau, na Polônia, e em distintos pontos da Rússia, onde travei contato com pessoas de gerações distintas: dos que viveram o início do período stanilista até os jovens que nasceram na era pós-Perestroika. Durante essas visitas – fiquei entre 20 e 40 dias em cada país –, ouvi muitíssimas histórias. Sobre as crianças do ontem e as crianças do hoje. Sobre famílias destruídas pelo ódio e pela insensatez. Sobre atrocidades inimagináveis. Mas também histórias de solidariedade e dignidade. E vivi um ano e meio na Catalunha, Espanha, o que me permitiu escutar vários testemunhos a respeito da ditadura de Franco (1939-1975) e a repressão que catalães sofreram no período (assim como os bascos).

Não comento tais informações para inflar meu currículo, mas para justificar meu interesse e as tais expectativas em As Estrelas Cadentes. E também meu desapontamento. O fato é que o espetáculo não me cativou nem me comoveu. Tampouco me inquietou intelectualmente – e não porque eu em teoria já tivesse tido contato com o tema ou porque, depois de tanto estudar conflitos, meu coração houvesse endurecido (pelo contrário). Achei a peça fria e professoral, com um patchwork de depoimentos elaborado de forma não muito harmoniosa, que descolou e afastou os testemunhos tanto de seus narradores quanto do momento particular em que escreveram tais linhas. Assim, em vez de nos aproximar dos personagens, a montagem os transformou em meros pretextos.

A dramaturgia irregular contribuiu para isso. Há texto para duas peças ali (ou mais). Os relatos dos “meninos do tráfico” no Brasil – na voz do garoto Washington – vão em direção bem diferente em relação aos demais, além de trazer à tona questões que ficam no meio do caminho. Parece que foram costuradas à força, apenas para constar, ou para dar um grito de protesto, ou ainda por qualquer outra razão que me escape.  Uma pena; seria um ótimo mote para uma “versão 2” da peça, com foco na atualidade brasileira. Também achei excessivo o uso de elementos audiovisuais; conferem um verniz pseudo-pop (tentativa de alcançar um tom documental?), eliminam parte da densidade da cena e, de certo modo, manipulam o espectador. Esses elementos são bem-vindos, mas apoiar a encenação neles… hmmm… é deixar de acreditar na força do dinâmico jogo que se estabelece entre os intérpretes.

Cabem elogios, por supuesto, e elogios consistentes: o desenho de luz, a cargo de Aline Santini e Nelson Baskerville, é excelente, contribui para criar uma atmosfera taciturna e, ao mesmo tempo, onírica; os atores (Carlos Baldim, Paula Arruda, Pedro Guilherme e Thaís Medeiros) estão muito bem; o figurino é bastante criativo assim como o cenário – versátil e indefinido, pode ser tanto um campo de batalha quanto um abrigo antibombas ou um espaço turvo na memória.

As Estrelas Cadentes esteve no Sesc Consolação até terça-feira passada, mas reestreia no Viga em 2 de abril. Se você teve uma impressão diferente da minha, por favor, partilhe. Vai ser ótimo conhecer outro ponto de vista. Fiquei com a sensação de que o grupo quis aproveitar todo o material disponível, esgotar toda a História em uma hora de espetáculo. Enfim.

*Montagem reúne relatos de crianças e jovens que viveram em tempos de guerra (crédito: Ligia Jardim).

De 2/4 a 16/5, ter. a qui. 21h. Viga Espaço Cênico: R. Capote Valente, 1323, Metrô Sumaré, tel: 3801-1843. Gênero: drama. Duração: 60 min. Classificação etária: 14 anos. Ingressos: R$ 30. Onde comprar: na bilheteria, que abre 1h antes.