Ímpetos revolucionários

* Pablo Sanábio (Peter), Fabrício Belsoff (Jan) e Natália Lage (Jule) são os Educadores (crédito: Paula Kossatz).

Quando assisti ao filme Edukators (2004), do austríaco Hans Weingartner, não era mais uma universitária como os jovens protagonistas. Faltava pouco para alcançar os 30 anos de idade. Havia terminado a faculdade fazia vários anos, já estava no mercado de trabalho desde então e tinha responsabilidades. Porém, meu espírito rebelde e revolucionário continuava pulsante e muito vivo. Nasci nos anos finais da ditadura e vivenciei a transição democrática. Fui cara-pintada. Ainda no ensino médio, vi o termo “revolução de 1964” ser trocado por “golpe” nos livros de História do Brasil. O mundo de então se dissolvia com uma velocidade incrível; trocávamos de mapas a todo instante. Desapareciam Estados e surgiam novos países, guerras pipocavam pelo globo e as víamos pela TV. Veio a internet, surgiram notebooks e os celulares. E tantas promessas foram feitas, tantas, tantas, por governantes nacionais e estrangeiros, líderes, CEOs e tais. “Os homens não melhoram/ e matam-se como percevejos./ Os percevejos heróicos renascem./ Inabitável, o mundo é cada vez mais habitado./ E se os olhos reaprendessem a chorar seria um segundo dilúvio”, como já havia escrito Carlos Drummond, sempre ele.

Uma crítica na época da estreia de Edukators dizia que impressionava um filme realizado por um jovem exalar um cansaço de velho, uma certa ressaca das tentativas revolucionárias dos anos 1960, revelando uma desilusão precoce da confusa e individualista juventude contemporânea. Em dado momento do longa, irrompe a música Hallelujah, de Leonardo Cohen na voz de Jeff Buckley, e os questionamentos sobre fé e amor, fé no amor, amor pela fé (em acepções bem amplas desses termos). Essa mistura entre individual e coletivo, entre a carência afetiva de um sujeito que também é cidadão e vive o dilema entre acatar os ditames do establishment ou desafiá-los, cada qual a seu modo. Os Educadores do filme resolveram invadir mansões e tirar os móveis do lugar, expondo assim a fragilidade e a fugacidade daqueles que se pensam protegidos pelo dinheiro. “Seus dias de fartura estão contados”, diziam os bilhetes que deixavam.

>> Adaptação para o teatro

O ator Pablo Sanábio buscou o diretor João Fonseca com a ideia de adaptar o longa-metragem para os palcos. Chamaram o dramaturgo Rafael Gomes, que acertadamente sintetizou bem a primeira parte do filme (a apresentação dos três jovens alemães, a explicação “didática” sobre a atuação dos Educadores, o triângulo amoroso que se estabelece) e se dedicou a explorar com mais cuidado a segunda parte, quando o empresário Hardenberg “precisa” ser sequestrado e, por isso, todos se escondem numa cabana nas montanhas. Essa é a porção mais forte, mais interessante e mais bem trabalhada do longa. E, muito bem aproveitada na versão teatral, expõe um interessante embate de ideias, perspectivas e anseios entre gerações diferentes, mas muito próximas (Hardenberg também foi um “revolucionário cabeludo” nos anos 1960 que “teve que ganhar a vida” e se tornou um “capitalista” exemplar, porta-voz do establishment).

Entre o filme e a peça, passaram-se anos. Nesse período, despontaram movimentos como a Primavera Árabe e a ocupação de praças em cidades importantes na Europa, nos Estados Unidos e no Brasil. Eu vivia em Barcelona quando a Praça Catalunha foi tomada pelos Indignados (jovens, em sua maioria). Indignados com a falta de emprego, com os cortes na saúde pública e com a corrupção na política, principalmente; mas também indignados com um Estado que não lhes oferece saídas, com uma sociedade esmagada pela ganância de alguns poucos. Os jovens catalães (e também os demais) estavam fartos dos discursos apaziguadores vindos do sistemão. Indignaram-se com as mentiras. A eles se juntaram idosos que ainda carregam a memória dolorida dos tempos do franquismo. Vieram trabalhadores, desempregados, adultos em geral. Sem exagero, a praça tinha virado uma ágora como nos tempos gregos.

A peça Edukators me fez reviver tanto os ardentes tempos de minhas manifestações juvenis quanto a experiência de acompanhar in loco as atividades do Indignados na Praça Catalunha. O bem-elaborado personagem Jan, de Fabrício Belsoff, é extremamente cativante, e seus embates com o Hardenberg de Edmilson Barros repercutem com bastante credibilidade. Completam o trio de Educadores a carismática Natália Lage como Jule e Pablo Sanábio como Peter (achei interessante a manutenção de uma certa incongruência entre o pensar e o agir dos jovens, tornando-os menos estereotipados). Boa opção essa de fazer a montagem acontecer em dois espaços diferentes, exigindo um pequeno deslocamento do público. O cenário me pareceu condizente com a proposta cênica assim como o uso de projeções em momentos específicos. Apenas a trilha – do mesmo modo com que acontecia no filme – me soou over em determinadas cenas e um tanto manipuladora, como se quisesse provocar certos sentimentos na plateia.

Com boa direção e uma dramaturgia respeitosa – mas não reverente– em relação à obra original, Edukators tem fôlego, leveza e empatia para cativar os jovens de hoje e os sonhadores (como no filme homônino de Bernardo Bertolucci, de 2003), educadores e indignados de ontem e anteontem.

EDUKATORS. Até 26/5, sex. e sáb. 21h30; dom. 17h. Sesc Belenzinho: R. Padre Adelino, 1.000, Metrô Belém, tel. 2076-9700. Gênero: Drama. Duração: 100 min. Classificação: 12 anos.

* O empresário Hardenberg (Edmilson Barros) desafia o trio rebelde com suas justificativas pró-establishment (crédito: Paula Kossatz).