O que eu mais amo

A atriz Bel Kowarick e Marcos Damigo encenam um tour de force na montagem Dueto para Um (Foto: Roberto Setton / Divulgação)

Vítima de esclerose múltipla, a violinista Stéphanie Abrahams, de 36 anos, se vê obrigada a abandonar não só a bem-sucedida carreira, mas, sobretudo, o eixo sobre o qual organizou toda sua existência, a sua grande paixão: “O violino não é o meu trabalho, não é um jeito de ganhar a vida. É a minha vida. Quando eu toco, estou realmente no mundo. Um mundo só meu”.

A dolorida e forçosa renúncia desencadeia um estado depressivo, pontuado por pensamentos suicidas e momentos de autoengano. De nada adianta o apoio do marido, o famoso compositor David Liebermann, cujo vigor artístico passa a incomodá-la, como uma teimosa lembrança do que ela não pode mais fazer. Seu mundo interno está em franca dissolução assim como a imagem que tem de si mesma e as convicções nas quais se amparava. É nesse momento de profundo desencanto que ela chega ao consultório do dr. Feldmann, um psiquiatra fã de música clássica.

O dramaturgo inglês Tom Kempinski se inspirou na história real da violoncelista Jacqueline Du Pré para escrever a peça Dueto para Um, que deu origem também a um filme protagonizado por Julie Andrews.  Em seis sessões, Stéphanie e o dr. Feldmann travam um instigante embate filosófico sobre as razões para viver (ou morrer). Embora desesperançada e agressiva, a violinista, no fundo, espera encontrar uma fresta pela qual possa escapar desse impasse existencial em que a doença a colocou. Será preciso passar, uma vez mais, pelo sofrido processo de ressignificação da vida, no qual a duras penas deverá refazer o quebra-cabeças de suas emoções e reaprender a olhar para si própria, igual mas tão outra?

A montagem brasileira, com direção de Mika Lins e interpretação dos ótimos Bel Kowarick – que conquistou o Prêmio APCA por essa peça – e Marcos Damigo, estreou em 2010 e voltou a estar em cartaz em 2011 (mas com o ator Marcos Suchara). Agora, tem nova temporada no Teatro Eva Herz. Mais uma prova de que bastam bons atores, um bom texto e uma encenação com frescor para que tenhamos um espetáculo potente e emocionante. Não é preciso um cenário redundante nem artifícios extras para criar climas ou manipular as emoções da plateia. A excelente luz de Caetano Vilela ressalta os humores e os sentimentos dos personagens, especialmente a “noite escura da alma” atravessada por Stéphanie (o espetáculo ganhou o Prêmio Shell de Iluminação em 2011).

Vivenciar um impasse existencial, um instante de profundo desencanto e vazio na vida, não é privilégio ou sina apenas de artistas ou portadores de alguma doença grave ou degenerativa. Momento de extrema fragilidade, faz parte da essência de ser humano, humana. Como diz dr. Feldmann: “O sentido da vida, Stéphanie, é a própria vida”. Pois é disso que se trata.

Bel Kowarick e Marcos Damigo encenam o texto baseado na vida de uma instrumentista que deixa o palco devido a uma doença degenerativa (Foto: Roberto Setton / Divulgação)

DUETO PARA UM. Até 29/3, qui. e sex. 21h (no feriado de 29/3, a apresentação será às 18h). Teatro Eva Herz: Avenida Paulista, 2073, Conjunto Nacional – 1º andar, metrô Consolação, tel.: 3170-4059.  Duração: 90 min. Gênero: Drama. Classificação: 14 anos. Ingressos: R$ 40. Cartões de crédito: A/D/M/V. Débito: R/M/V. Onde comprar: na bilheteria (ter. a sáb. 14h/21h e dom. 12h/19h) ou, com taxa, pelo telefone 4003-2330 e pelo site Ingresso.com.